Entrevista de Cid ao Blitz
José Cid, O Cantor Que Veio do Espaço |
Presença teimosa na paisagem musical das últimas décadas, José Cid é um paradoxo capaz do melhor e do pior, como o próprio admite. Parte importante do cancioneiro que o imaginário de todos os que cresceram nos anos 70 e 80 guarda à força é seu. Esse é o José Cid das massas. mas há outro José Cid, que tem vindo a ser redescoberto por uma nova geração. É à porta desse que batemos. |
Meio a sério, meio a brincar, José Cid identifica uma nova geração de fãs que o idolatram por causa de canções como «A Cabana Junto à Praia» ou «Como o Macaco Gosta de Banana»: «Imagino que tenham sofrido muito quando pequenos», especula o cantor. «Os pais deviam dizer--lhes coisas horríveis como “ou comes a sopa ou obrigo-te a ouvir o “Como o Macaco Gosta de Banana”…” E a verdade é que alguns eram teimosos e não comiam.
Essas canções devem ter ficado gravadas tão fundo na sua memória que hoje não querem outra coisa». É verdade. Antes das rádios normalizadas e da Internet e dos canais de cabo ao alcance do telecomando, havia um país rendido ao nacional cançonetismo e José Cid era um dos seus reis incontestáveis. E, em abono da verdade, esse é o José Cid que a maior parte dos portugueses conhece – o de «Amar Como Jesus Amou» e d’«A Festa do Zé» e de macacos, bananas, Anitas e reis aniversariantes. Mas há outro. Ou melhor, o mesmo José Cid, dono de uma incoerência estética extrema – «coerente era a minha avó», não se cansa ele de repetir ao longo da entrevista –, gravou algumas obras-primas que o tempo quase esqueceu, mas que são a real prova do seu talento. Coisas que ainda estão por reeditar ou, como ele próprio gosta de dizer, que se encontram «silenciadas».
A BLITZ, qual nau dos livros de história, partiu à descoberta desse imenso continente habitado por canções com nomes como «No Tempo em que o Toninho Lanchava com os Amigos na Pastelaria de S. Bento» ou «Doce e Fácil Reino do Blá Blá Blá». E descobriu alguma coisa – descobriu um homem orgulhoso do seu passado mas ainda assim muito preocupado com o presente.
São vários os projectos em que José Cid se encontra a trabalhar, incluindo um álbum que é uma espécie de tributo em que se vai encontrar com uma série de nomes da nova geração. E há mais. Este homem, que foi um ídolo dos tempos em que o vinil era o formato dominante da indústria, não se esquece de onde veio e está prestes a lançar uma etiqueta própria que se chamará, nem de propósito, Vinil: «Sinceramente, não estava a contar com isto, com estas propostas. Antes disto o cenário que eu via passava por ter a minha própria “label” para editar os meus discos e outros projectos que possa considerar criativos e interessantes. O nome da “label” já está registado – Vinil! Todos os nossos CDs vão ter um arranjo gráfico que remete para as capas de vinil e todos começarão com o som típico do “fritado” do vinil». E, no âmbito desse projecto editorial, já está preparado um disco de originais – «para sair só depois do disco de homenagem» – onde se incluem também duas versões: «Topo de Gama», dos Clã, e «Strawberry Fields Forever». «Há 40 anos que queria gravar essa música dos Beatles», confidencia.
CID e os anos 70
De um ponto de vista artístico, José Cid cumpriu os anos 70 de forma quase imaculada – e risque-se o «quase» se se quiser ignorar o facto de, paralelamente às obras-primas, este homem não se ter cansado de concorrer ao Festival Eurovisão da Canção, carreira bem documentada em uma série de singles.
José Cid abriu a década com o fabuloso primeiro álbum do Quarteto 1111, editado em Janeiro de 1970 e «proibido pela censura política»; aventurou-se a solo com um disco em que, como Stevie Wonder gostava de fazer, tocou todos os instrumentos sozinho – José Cid –, despediu-se do Quarteto em 1975 com o enorme Onde Quando Como e Porquê Cantamos Pessoas Vivas e, em 1978, lançou aquele que os especialistas apontam como um dos melhores discos de rock progressivo de sempre, o mítico 10,000 Anos Depois entre Vénus e Marte. A obra de Cid nesta fase é imensa: «Entre as coisas do Quarteto e as que gravei a solo, deixei cerca de 300 músicas na Valentim de Carvalho, até para aí 1975. Só que muitas dessas músicas, muitos desses discos, foram completamente silenciados».
CID e a EUROPA
«Houve alguém, que não eu, que afirmou que o Quarteto 1111, pela sua obra, foi a melhor banda de pop-rock da Europa Continental. Porque éramos muito mais ousados, porque fomos muito silenciados e sobretudo porque éramos muito avançados para a época. Nem a Espanha, nem a França, nem a Itália, nem a Alemanha ou outros países da Europa Continental tinham bandas assim. E seria interessante que nós, os portugueses, percebêssemos isso. Sim, toda a gente conhece a “Lenda D’El Rei D. Sebastião”, mas essa é apenas a ponta do iceberg. Há muito mais». Há coisas dispersas por diversas edições, algumas lançadas sob a forma de EPs, outras escondidas envergonhadamente no lado B de singles desenhados para Festivais que, inexplicavelmente, teimam em não ver a luz do dia – numa época em que se reeditam tantas coisas ridículas, «incluindo as minhas», afirma peremptoriamente José Cid, interrompendo a lamentação. «Sim é verdade. Nunca fui coerente e gravei coisas boas e coisas más. Mas o meu muito bom é do melhor que se faz na música popular portuguesa desde sempre. E o meu muito mau é, de qualquer forma, melhor do que o óptimo do Tony Carreira».
E assim se arruma o assunto.
Voltando às obras «perdidas»: «Há o primeiro álbum do Quarteto 1111, que, em Janeiro de 1970, foi silenciado pela censura política e que é a primeira obra conceptual do rock português. Esse álbum foi reeditado mas praticamente em silêncio. É um disco complicado, porque aborda os problemas da emigração e do colonialismo. Há outra coisa interessante nesse álbum: a primeira versão publicada do tema “Trovas do Vento que Passa”, seis meses depois de o Adriano [Correia de Oliveira] sair com o original. Eu já tinha conhecido o Adriano muito bem em Coimbra e fizemos a tropa juntos em Mafra e Santarém – na camarata, as nossas camas ficavam lado a lado. E foi aí que ouvi muitas dessas canções em primeira-mão». José Cid tem na cabeça um autêntico arquivo de memórias, enriquecidas por factos, números, datas e nomes que dispara em rajada. Típico de alguém que tem orgulho do que alcançou.
Essas canções devem ter ficado gravadas tão fundo na sua memória que hoje não querem outra coisa». É verdade. Antes das rádios normalizadas e da Internet e dos canais de cabo ao alcance do telecomando, havia um país rendido ao nacional cançonetismo e José Cid era um dos seus reis incontestáveis. E, em abono da verdade, esse é o José Cid que a maior parte dos portugueses conhece – o de «Amar Como Jesus Amou» e d’«A Festa do Zé» e de macacos, bananas, Anitas e reis aniversariantes. Mas há outro. Ou melhor, o mesmo José Cid, dono de uma incoerência estética extrema – «coerente era a minha avó», não se cansa ele de repetir ao longo da entrevista –, gravou algumas obras-primas que o tempo quase esqueceu, mas que são a real prova do seu talento. Coisas que ainda estão por reeditar ou, como ele próprio gosta de dizer, que se encontram «silenciadas».
A BLITZ, qual nau dos livros de história, partiu à descoberta desse imenso continente habitado por canções com nomes como «No Tempo em que o Toninho Lanchava com os Amigos na Pastelaria de S. Bento» ou «Doce e Fácil Reino do Blá Blá Blá». E descobriu alguma coisa – descobriu um homem orgulhoso do seu passado mas ainda assim muito preocupado com o presente.
São vários os projectos em que José Cid se encontra a trabalhar, incluindo um álbum que é uma espécie de tributo em que se vai encontrar com uma série de nomes da nova geração. E há mais. Este homem, que foi um ídolo dos tempos em que o vinil era o formato dominante da indústria, não se esquece de onde veio e está prestes a lançar uma etiqueta própria que se chamará, nem de propósito, Vinil: «Sinceramente, não estava a contar com isto, com estas propostas. Antes disto o cenário que eu via passava por ter a minha própria “label” para editar os meus discos e outros projectos que possa considerar criativos e interessantes. O nome da “label” já está registado – Vinil! Todos os nossos CDs vão ter um arranjo gráfico que remete para as capas de vinil e todos começarão com o som típico do “fritado” do vinil». E, no âmbito desse projecto editorial, já está preparado um disco de originais – «para sair só depois do disco de homenagem» – onde se incluem também duas versões: «Topo de Gama», dos Clã, e «Strawberry Fields Forever». «Há 40 anos que queria gravar essa música dos Beatles», confidencia.
CID e os anos 70
De um ponto de vista artístico, José Cid cumpriu os anos 70 de forma quase imaculada – e risque-se o «quase» se se quiser ignorar o facto de, paralelamente às obras-primas, este homem não se ter cansado de concorrer ao Festival Eurovisão da Canção, carreira bem documentada em uma série de singles.
José Cid abriu a década com o fabuloso primeiro álbum do Quarteto 1111, editado em Janeiro de 1970 e «proibido pela censura política»; aventurou-se a solo com um disco em que, como Stevie Wonder gostava de fazer, tocou todos os instrumentos sozinho – José Cid –, despediu-se do Quarteto em 1975 com o enorme Onde Quando Como e Porquê Cantamos Pessoas Vivas e, em 1978, lançou aquele que os especialistas apontam como um dos melhores discos de rock progressivo de sempre, o mítico 10,000 Anos Depois entre Vénus e Marte. A obra de Cid nesta fase é imensa: «Entre as coisas do Quarteto e as que gravei a solo, deixei cerca de 300 músicas na Valentim de Carvalho, até para aí 1975. Só que muitas dessas músicas, muitos desses discos, foram completamente silenciados».
CID e a EUROPA
«Houve alguém, que não eu, que afirmou que o Quarteto 1111, pela sua obra, foi a melhor banda de pop-rock da Europa Continental. Porque éramos muito mais ousados, porque fomos muito silenciados e sobretudo porque éramos muito avançados para a época. Nem a Espanha, nem a França, nem a Itália, nem a Alemanha ou outros países da Europa Continental tinham bandas assim. E seria interessante que nós, os portugueses, percebêssemos isso. Sim, toda a gente conhece a “Lenda D’El Rei D. Sebastião”, mas essa é apenas a ponta do iceberg. Há muito mais». Há coisas dispersas por diversas edições, algumas lançadas sob a forma de EPs, outras escondidas envergonhadamente no lado B de singles desenhados para Festivais que, inexplicavelmente, teimam em não ver a luz do dia – numa época em que se reeditam tantas coisas ridículas, «incluindo as minhas», afirma peremptoriamente José Cid, interrompendo a lamentação. «Sim é verdade. Nunca fui coerente e gravei coisas boas e coisas más. Mas o meu muito bom é do melhor que se faz na música popular portuguesa desde sempre. E o meu muito mau é, de qualquer forma, melhor do que o óptimo do Tony Carreira».
E assim se arruma o assunto.
Voltando às obras «perdidas»: «Há o primeiro álbum do Quarteto 1111, que, em Janeiro de 1970, foi silenciado pela censura política e que é a primeira obra conceptual do rock português. Esse álbum foi reeditado mas praticamente em silêncio. É um disco complicado, porque aborda os problemas da emigração e do colonialismo. Há outra coisa interessante nesse álbum: a primeira versão publicada do tema “Trovas do Vento que Passa”, seis meses depois de o Adriano [Correia de Oliveira] sair com o original. Eu já tinha conhecido o Adriano muito bem em Coimbra e fizemos a tropa juntos em Mafra e Santarém – na camarata, as nossas camas ficavam lado a lado. E foi aí que ouvi muitas dessas canções em primeira-mão». José Cid tem na cabeça um autêntico arquivo de memórias, enriquecidas por factos, números, datas e nomes que dispara em rajada. Típico de alguém que tem orgulho do que alcançou.
1 Comments:
Eu tenho esse blitz em casa! Ainda queria o Gil que o meu mushi se chamasse cid! Fónix!... :P
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